sexta-feira, maio 30, 2008

Artigo nº 2 - Reportagem

O sonho trajado de negro
por Mariana Lopes


Trabalhar ou continuar a estudar? Para João Silva esta não foi uma escolha difícil. Com dois irmãos mais novos a estudar e uma mãe desempregada, a necessidade de ser mais um braço de trabalho impunha-se ao futuro que idealizou. Chegar à universidade é o sonho de qualquer estudante. Ou era. Agora é apenas uma realidade limitada aos que têm possibilidades para tal. É quase intolerável a sobrevivência de um estudante que só de propinas paga mais do que o ordenado mínimo que o seu pai recebe.
Coimbra, cidade dos estudantes, cheia de jovens que todos os dias encontram alternativas para se manterem. Inês Oliveira, estudante em Coimbra, é um desses casos. Cada mês é uma constante luta para apertar o cinto. Com apenas 650 euros de mesada sobram-lhe 100 euros para eventualidades. É a renda da casa, contas de água, luz e gás para pagar, alimentação (dividida entre as cantinas e compra de produtos de marca branca), o transporte dentro e fora da cidade, as intermináveis fotocópias e os suportes básicos para quem vai morar fora. Quem vem estudar para Coimbra conta também com tudo o que a tradição inclui: trajes, festas académicas, convívios e jantares de curso que implicam sempre mais algum dinheiro extra. “São jovens, e como tal um pouco inconsequentes!”, quem o diz é Maria Conceição Barroso, proprietária de um estabelecimento comercial na baixa de Coimbra, que afirma que os estudantes preferem gastar dinheiro em álcool e festas e passar o resto da semana a pão e água.
Mas o que move afinal os estudantes num mundo tão difícil?
Afirmar que usufruímos de um ensino gratuito é tão falacioso quanto dizer que o estado financia os jovens estudantes. Belmiro Cabrito, investigador declara que “a gratuitidade deste nível de ensino constitui uma informação falaciosa” e os seus estudos confirmam que, ao que o Estado gasta com cada universitário, as famílias é que são as principais financiadoras do sistema. Segundo Cabrito, as despesas que as famílias têm de assegurar para terem um filho a estudar chegam a representar mais de um quarto do rendimento líquido mensal do agregado familiar. “Não quero acabar numa caixa do Jumbo! Tenho consciência dos níveis de desemprego nacionais mas prefiro ter um diploma e tentar uma vida melhor a conformar-me e desistir”. Tiago Tavares, estudante universitário, é o autor desta frase. A vida nem sempre lhe sorriu mas o sonho de ser alguém é mais forte.
Joana Pereira é outro exemplo de persistência. Quando questionada sobre a hipótese de estudar fora de Portugal diz não a descurar. “Existem mais oportunidades lá fora para quem estuda. Mais trabalho e mais condições financeiras”. Na Europa não existem propinas na Dinamarca, Grécia, Luxemburgo, França, Finlândia e Suécia e nos países em que as há, como Espanha, Itália e França, despende-se 8399€ ente 10332€ por aluno. Já Portugal é o quinto país da União Europeia onde as propinas são mais elevadas e o segundo em que o Estado investe menos dinheiro por aluno, apenas 6000 euros. O nosso país fica em penúltimo lugar na percentagem de dinheiro destinada ao apoio dos estudantes mais desfavorecidos, com 6,7% do investimento total. Com números assim podemos mesmo afirmar, como vulgarmente ouvimos dizer, “A culpa é do sistema!”.
Em casa de Maria Alice Sousa habitam quatro pessoas. Duas delas estudantes, uma universitária e outra no ensino secundário. As propinas são o avultado de dinheiro que mais preocupa esta mãe principalmente pelos sucessivos ajustes e alterações que sofre. O ministro Mariano Gago assegura que o valor das propinas se manterá inalterado até 2009 declarando que “seria ilógico um aumento de propinas quando o objectivo é atrair alunos”. Por outro lado a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) prevê um aumento das propinas em Portugal dado que futuramente “as prioridades do governo vão ser a saúde e as reformas e a educação terá que ser paga pelos estudantes”.
Apesar de tudo isto Coimbra continua a ser a cidade das capas negras. Os que chegam vêm desejosos de conhecer o que tantos chamam “os melhores anos da vida”. Os que estão de partida choram, ainda que pelas ruas se cante, “Coimbra, tem mais encanto, na hora da despedida”.
Bemvindos ao meu espaço.

Este será o meu espaçinho. Das minhas opiniões, entrevistas, reportagens, crónicas.
Espero que gostem.