segunda-feira, dezembro 15, 2008

Reportagem para sociologia dos média - Sociedade do Espetáculo

Remontamos ao ano 2000. São sete horas da tarde o que para Maria significa o fim de mais um dia de trabalho. Ao cansaço impõem-se às obrigações que ainda lhe esperam em casa. Mal abre a porta é confrontada com inúmeras tarefas: é preciso fazer o jantar, por roupa a lavar e arrumar as compras. Quando termina senta-se no sofá e o instinto leva-a a ligar a televisão. Entre magazines culturais e telejornais a sua atenção prende-se no formato televisivo «Big Brother». As personagens alteram-se tal como as intrigas. A equipa produtiva «apimenta» cada dia com novos desafios. Os números apontam para os «2,792 milhões de espectadores», escreve o jornal Correio da Manhã.
Coloca-se então a questão: de onde vem essa necessidade em assistir a reality-shows? Oito anos depois da primeira edição do Grande Irmão as opiniões são mais conscientes e sólidas. «Costuma dizer-se que a televisão dá ao povo aquilo que o povo quer. Mas o que o povo quer é criado pela televisão», afirma Fernando Ramos, professor na área das Ciências Sociais, da ESEC. A sociedade adere a esse tipo de programas porque se cria essa necessidade. «Por outro lado», continua Fernando Ramos, «também não há alternativa». Os canais televisivos asseguram uma intensa publicidade aos seus programas usando, nesse sentido, inclusive os Telejornais. Miguel Parente, trabalhador-estudante é espectador crítico e afirma que essa pressão faz com que as pessoas se vejam “obrigadas” a seguir o dia-a-dia dos concorrentes. É incutida nos telespectadores a necessidade de seguir os programas para saber o que se passa e do que se fala.
Intervalo. Após uma sucessão de zapping Maria volta ao canal que continua com a transmissão do reality-show: «Não perca já a seguir os melhores momentos do dia!». As relações humanas são um íman de audiências. Fonte de emoções fortes e familiares dos espectadores, estes vêem neles o seu dia-a-dia e possíveis reacções e atitudes que tomariam. Sendo um trunfo para os canais de televisão é-lhes dado destaque em spots que são transmitidos ao longo do dia inclusive nos noticiários. A publicidade associada à manipulação visual revela-se uma poderosa máquina de ganhar dinheiro. Mas não é só o dinheiro que importa, a fidelização do consumidor é dos factores mais importantes pois, posteriormente, sejam quais forem os formatos apresentados serão bem aceites.
É indispensável precisar que o entretenimento é preciso nas televisões, «entretenimento no âmbito aceitável e nós precisamos de ouvir histórias, somos um animal que conta histórias», afirma o docente Fernando Ramos. «Os defensores do Big Brother argumentam que, afinal, as pessoas comuns também têm direito a expor a sua vida privada, tal como os VIPs (…) mas a maioria dos analistas concorda em classificar o concurso como telelixo», comenta Luís Leiria, num artigo de opinião que já data da mesma altura do reality-show (Observatório de Imprensa).
«Depois existe aquela dimensão “tarada” do ser humano: somos todos uns “espreitas”. Espreitar a vida do outro para esquecer ou até esconder a sua própria vida dá aos portugueses um certo prazer» afirma o professor Fernando Ramos. A verdade é que «não se pode ignorar um assunto de que toda a gente fala» consolida Henrique Garcia. O espectador conta ainda com a possibilidade de «participação/intervenção na coisa pública» como atesta Luís Mota. O público é incentivado a interagir com o programa não sendo ao acaso que o grande slogan do mesmo fosse «a única casa do país onde há lugar para todos os portugueses».
Já se perspectiva uma próxima edição do Big Brother em Portugal. Numa tentativa de um novo «Boom» de audiências a TVI admite uma nova temporada. Porém quando questionados sobre o assunto, telespectadores como Miguel Parente e Filipa Morais garantem que não voltariam assistir assiduamente «ao ponto de ver o Zé Maria a cuidar das galinhas».
«O problema emerge assim», assegura Luís Mota, «mais profundo que o entretenimento e a tentativa de impedir a acção passa por impor uma narrativa, tornando-a hegemónica, procurando demonstrar que a sua leitura da realidade é única, é a leitura, e se confunde com a própria realidade». Será que a televisão espectáculo começa a perder a sua força? «Pelo menos no caso português verificou-se um enjoo rápido desses programas». Fernando Ramos vai ainda mais longe, «houve algo de positivo nos reality-shows ao revelar-se essa capacidade no povo».
Fim de mais uma edição. Maria foi sempre uma espectadora atenta tendo o Big Brother sido como se realmente de um irmão se tratasse. Apesar do envolvimento emocional durante os quatro meses de emissões diárias e em directo, Maria já quase esqueceu das inúmeras vezes que se riu com os momentos mais divertidos da casa. Ouve-se falar numa próxima edição mas voltar a acompanhar o programa é voltar à monotonia que o próprio Big Brother veio quebrar. É pois necessário reflectir sobre o assunto: «o poder constrange mais a acção do que o pensamento e, por isso, compete a cada um de nós (…) a [quem] ainda resta algum espaço de acção e poder para forçar a capacidade de narrar, auscultar as narrativas contra-hegemónicas a todos (…) que estão privados de expressar e de fazer ouvir a sua leitura da realidade em que vivem», conclui o historiador e professor Luís Mota.