domingo, junho 22, 2008

Reportagem (Géneros Jornalísticos)


“Olha o peixe fresquinho!”

É sábado de manhã. Outrora, o intenso cheiro a peixe e os aparatosos pregões matinais ecoavam pelas ruas calcetadas da cidade de Aveiro. Hoje apenas se ouve a azáfama habitual de uma cidade.
Maria Beatriz apregoa à 33 anos mas a tristeza de ver morrer a tradição calou o seu grito. “Eu não sei o que nós havemos de fazer para que este mercado, aqui em Aveiro, fique igual ao que era antigamente!”, afirma enquanto torce as mãos calejadas pelo trabalho. Há na sua voz desilusão e amargura mas o brilho dos seus olhos não esconde a paixão pelo que faz. Maria Miranda, umas bancas mais a frente, partilha da mesma opinião, “Gosto muito de vender peixe! Os meus pais já eram peixeiros e eu acabei por ficar. Não tinha para onde ir e hoje continuo a não ter. Se isto acabar não sei para onde vou, não tenho outros meios”. Os seus 56 anos de existência acompanharam as evoluções e desilusões do Mercado do Peixe em Aveiro. Há 4 anos atrás as bancas de mármore faziam as delícias dos apreciadores. O peixe, sempre fresco, remexia por entre o gelo ao som das saudáveis competições entre peixeiras. Sempre foi assim que a população conheceu o mercado de Aveiro e este sempre foi o encanto da terra beira-mar. Alberto Souto, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro de então, não sendo do mesmo parecer decidiu melhorar o espaço do mercado. E melhorou de facto? João Rocha, proprietário de uma das bancas responde de imediato, “Não! Este mercado é péssimo! Em tudo! Más condições a começar pelo chão e acabar no tecto. Não tem nada que se aproveite!”. O que revolta ainda mais estes trabalhadores é que têm de pagar um espaço que foi remodelado sem que ninguém lhes pedisse opinião, “Não é o senhor Alberto Souto que aqui está todos os fins-de-semana a tentar ganhar a vida por isso teria sido mais lógico se ele nos tivesse perguntado o que precisava-mos para melhorar as condições de acordo com o que ele pretendia” afirma Maria Beatriz.
Para além de todos estes problemas, os vendedores de peixe contam ainda com a concorrência que, aliada às condições do espaço, tende a destronar por completo o negócio. Irene Silva não se conforma com a sua nova segunda casa, como lhe chama carinhosamente, e vai mais longe sobre a concorrência, “As pessoas vão aos hiper-mercados por conveniência, porque chegam lá compram o que precisam, passeiam, almoçam e governam-se de tudo. Os hiper´s são uma facilidade que não existia dantes”.
Enquanto fala Maria Miranda continua a amanhar o peixe. Aqui não há tempo para lamentações pois os poucos clientes que entram têm de ser recebidos com toda a amabilidade e boa-disposição possíveis.
Já é uma da tarde. O dia de trabalho está quase no fim. Resistem mais alguns minutos esperançosos. António Silva liga o rádio de bolso, é hora do primeiro jornal. As notícias que correm Portugal falam da escassez do peixe. Imediatamente surgem opiniões divididas. Maria Beatriz confirma que a abundância de peixe tem vindo a diminuir assim como Irene Silva que atesta mesmo, “Os arrastões levam tudo. E ainda agora dois barcos ficaram detidos em Espanha, não sabemos se vai cá chegar o peixe se não”. Por outro lado João Rocha diz que este problema não se sente muito na Região, “Há muito peixe na nossa costa e há sempre o que vender!”.
O cheiro a peixe já há muito que está entranhado nas suas veias e é difícil deixá-lo à porta do mercado no fim de cada dia de trabalho. O futuro é incerto mas Maria Miranda prefere acreditar que ainda vem longe, “Eu gostava muito que isto durasse mais uns anitos. Eu preciso muito de ganhar dinheiro e este é o meu sustento”.
As portas fecham-se. O dia está quente e o céu límpido. Limpam-se as bancas, o chão. Arrumam-se os restos, o lixo e os aventais. Domingo será um novo dia, uma nova corrida contra o tempo.